QUEM GANHA, QUEM PERDE ? – UMA OPINIÃO
Referências:
1) ADI 5156 – Ação Direta de Inconstitucionalidade (eletrônico) origem: DF – Distrito Federal – Relator: Min. Gilmar Mendes – Reqte. (s) Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais – FENEME – Adv. (a/s) Elias Miler da Silva – Intdo (a/s) Presidente da República.
2) lei federal nº lei nº 13.022, de 8 agosto de 2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais).
3) CRFB – Art. 22, inciso XXI e Art. 144, § 8º e § 10.
Iniciando uma batalha política em assunto vencido, a Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (FENEME) recorre ao STF para tentar conter o avanço das Guardas Municipais (GMs) como instituições permanentes, uniformizadas e civis, cujas atividades até então eram aparentemente submissas a uma visão reducionista do texto constitucional. Por razões óbvias, o foco da ADIN é o Estatuto Geral das GMs (texto em anexo), em desdobramento do § 8º do Art. 144 da CRFB.
Temo que as PMs ingressem em batalha já perdida...
Em primeiro lugar porque, infelizmente, e erradamente, as PMs sempre se sentiram proprietárias exclusivas do Poder de Polícia, ignorando o fato de que esta faculdade do Direito pátrio pertence ao Estado e seus agentes públicos como um todo, sendo vedado ao particular. Mesmo assim, o particular inegavelmente interfere no ambiente social pela ação de empresas de vigilância na guarda e proteção de valores ou na garantia da ordem pública em recintos fechados (clubes e semelhantes). Porque é certo que os atributos do Ato de Polícia, fundados no Poder de Polícia, geralmente se fazem presentes nesses atos particulares de permissões e proibições, tais como comumente se vê nas obras em vias públicas nas quais os carros são instados a parar por longo tempo para dar passagem ao trânsito inverso em pista reduzida. A ordem parte de simples operários vestidos de macacão e portando suas bandeirolas vermelhas ou verdes.
Pode parecer estranho, já que é aparentemente cediço na Doutrina do Direito Administrativo da Ordem Pública, a existência do Poder de Polícia como fundamento exclusivo do Estado. Mas, salvo juízo mais clarividente, não consigo enxergar outro modo de compreensão também para a ação a mais e mais avassaladora dos agentes particulares uniformizados e armados circulando nas vias públicas em carros-fortes ou estacionados “em pé de guerra” nas portas de bancos, supermercados e outros estabelecimentos capazes de gerar a cobiça humana. Ora, se até o particular pode exercer vigilância sobre as pessoas aleatoriamente, sob o pretexto de que vigiam apenas valores, o que é pura falácia, quanto mais as GMs, se são públicas e seus agentes igualmente o são...
Enfim, e não apenas aqui, devemos encarar a realidade que começa a mudar para as PMs a partir da inserção do § 10 no Art. 144 da CRFB, que instituiu a “segurança viária” nos termos deste e dos seus dois incisos, deixando mais que clara a ideia de que as PMs não detêm nenhuma exclusividade neste tipo de segurança como poder instrumental, que é seu, mas também de outrem. Trata-se de noção mais aberta da preservação da ordem pública, que incumbe às PMs como polícia ostensiva, porém não exclui outros organismos e seus agentes públicos de exercitá-la de uniforme ou jaleco.
Não pretendo aqui cansar os leitores enfiando neste texto os conceitos doutrinários de Ordem Pública, Segurança Pública, Poder de Polícia e outros afins, tudo está disponível em muitos livros de administrativistas abalizados. Quero apenas reiterar o que venho denunciando faz tempo e que se resume ao “comportamento de avestruz amedrontado” das PMs ao longo dos anos, deixando sempre a condução dos seus destinos ao Exército Brasileiro, do qual elas são forças auxiliares reserva nos termos do mesmo Art. 144, com a ressalva do seu rígido controle estrutural e conjuntural de PMs e BMs em vista do Inciso XXI do Art. 22 da CRFB, grande desvantagem na atual conjuntura política, que não mais conta com a cobertura do confortável regime militar, que é coisa passada.
A verdade é a que as PMs desligaram o despertador e perderam o trem da história. Pagam hoje pelo comodismo do apego às tradições que sustentam a existência de si apenas para si, ignorando o ambiente social cada vez mais incerto, turbulento e a mais e mais exigente. Enquanto isso, outras instituições acompanham as mudanças, a elas se ajustam, e delas tiram maior proveito, como é o caso das GMs existentes em milhares de rincões brasileiros, e que agora dão um importante passo a demonstrar sua importância não mais local, mas nacional. Pois em vista da regulamentação do § 8º do Art. 144 da CRFB (“Os Municípios poderão constituir Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.”), elas deram um passo preocupante para as PMs, estas, que pararam no tempo e pagam o preço da modorra.
Mais grave ainda, e sugerindo pura ignorância, é noticiar que as GMs passaram agora a ter “direito ao Poder de Polícia”, falácia pura; pois, como órgão público, e claramente de segurança pública, conforme preceitua o texto constitucional, essas organizações municipais já atuavam, mesmo que restritamente (é outra história), também com fundamento no Poder de Polícia. Aliás, como eu já antes sugeri, o Poder de Polícia é inerente ao Estado como um todo e não pertence à atividade policial como exclusividade nem aqui nem na China. Portanto, de nada adiantarão às PMs (diretamente) ou à FENEME (apenas uma dentre inúmeras outras entidades representativas), – salvo erro surpreendente de minha parte, risco que assumo integralmente, – de nada adiantarão as chiadeiras judiciais ou políticas, trata-se de fato consumado o que está na Lei Federal nº Lei nº 13.022, de 8 agosto de 2014, foco desta inferência.
Pior que o natural avanço institucional das GMs em estrondosa vitória política de caráter nacional é o perigo de retrocesso e até de extinção por que passam as PMs. Porque continuam com seus traseiros expostos a PECs casuísticas e fortemente amparadas pelas esquerdas dominantes, enquanto esperam um socorro do Exército Brasileiro que não virá a não ser que se imagine um novo golpe militar no país, absurdo no qual muitos oficiais das PMs acreditam piamente.
Sonham... E perdem tempo, e espaço, e poder de agir, porque, como eu disse antes, já também perderam o trem da história. Defendem um militarismo superado e a mais e mais incompatível com a realidade social da violência e do crime, que se sofisticam e avançam como fazem os rios e riachos se desviando de montanhas enormes e poderosas, mas que não saem do lugar. As PMs são essas imóveis montanhas fáceis de contornar. E são contornadas de todos os modos, e não apenas pelas incertezas e turbulências da violência e do crime, mas também por instituições concorrentes com maior capacidade competitiva num mundo onde a competitividade é a palavra de ordem e a agilidade institucional se impõe como imperativo categórico.
Autor - Coronel Reformado Emir Larangeira
EX - Deputado Estadual pelo Rio de Janeiro